O dia seguinte


Depois do incidente com a água, da noite anterior, dormimos, acordámos de manhã cedo e preparámo-nos para sair. Era o nosso primeiro passeio a pé pela Índia, nas ruas de Nova Delhi.

Tomámos o pequeno almoço bastante satisfatório e estávamos na recepção, aguardando o grupo todo reunido. Tínhamos chegado na escuridão da noite, mas agora era dia e havia bastante luz, depois de ter chovido toda a noite. Olhei para fora e o sítio realmente era péssimo. Nova Delhi apresentava-se pouco apelativa.

Num sofá grande e velho estavam sentados uns estrangeiros que, passando perto, percebi que eram franceses. Três casais que conversavam, parecendo muito bem-dispostos. Olhei para eles durante algum tempo e observei os seus gestos amplos, que demonstravam sentirem-se muito à vontade e bastante familiarizados com o ambiente. Que faria por ali um grupo de franceses? Estariam de férias ou seria trabalho? O que pensariam da Índia?

Então, decidi ir diretamente à fonte e dirigi-me a eles. Confirmaram que eram franceses e estavam de férias. Perguntei-lhes se gostavam da Índia e eles com a maior das naturalidades responderam que sim, tanto que, todos os anos voltavam. Não foi sem espanto que ouvi estas afirmações, que me pareceram não só espontâneas como sinceras, pelo que não deixei de ficar apreensiva, cogitando comigo mesma, como era possível gostar de estar a passar férias ali!?... Há gostos para tudo e quando pensamos que já vimos de tudo um pouco, ainda não vimos nada.

De facto, ainda nada começara. Juntei-me ao grupo e com um sacrifício dos diabos saí para a rua, tentando habituar-me àquele calor insuportável, carregando a minha garrafa de água com sais para prevenir a desidratação.

Quando dei por mim, estava em plena cidade, rodeada de carros, bicicletas e gente de todos os lados. Uma barafunda imensa. A minha pessoa, o meu ser e o meu espírito estavam na Índia. Eu estava lá, presente, com todas as minhas emoções e sensações novas e velhas à flor da pele. Tudo ao mesmo tempo. Era tempo de viver, experienciar, tentar ultrapassar os meus limites e as minhas limitações todas e mais algumas, os meus medos e as minhas fobias, quaisquer que fossem. Era chegada a altura e a hora certa de me confrontar comigo, com o mundo, com a vida na sua plenitude. Ali, estava tudo ao mesmo tempo e era eu.

Caminhei por aquelas ruas fora, umas a seguir às outras, apinhadas de gente e do som infindável do buzinar constante de tudo o que tinha rodas e andava na estrada.  Via gente, rostos, casas, animais, lojas e mais lojas carregadas de mercadoria, desde a alimentação até à bijutaria, móveis, tecidos, ouro, ferro velho, incensos, perfumes, enfim... havia tudo e mais alguma coisa e eu passando por entre todo aquele movimento. O calor estava lá, era certo, mas eu já não o sentia. Tudo aquilo era cor, luz, vida. Parava aqui, parava ali, falava com este, com o outro, olhavam para mim um pouco desconsertados por eu falar hindy ou urdo, riam, ofereciam preços mais baixos, coisas mais bonitas, enfim, a minha relação com eles estabelecia-se da maneira mais natural e afável possível.

Eu estava espantada não com eles, mas comigo mesma. Eu era eu. Com toda a facilidade captava a atenção deles, dava comigo a brincar e a gracejar, a rir, a comunicar com diplomacia, mas ao mesmo tempo com todo o à vontade do mundo. Era tão fácil e tão gostoso! Era reconfortante. Adultos ou crianças eram adoráveis. Já tínhamos andado imenso e não me sentia cansada. A minha adrenalina estava em alta. Estava feliz, no meu mundo ao vivo e a cores!

Era a Índia.