O melhor da Índia


Mais um aeroporto, mais um compasso de espera. Na minha frente, uma rapariga nova com dois filhos. No meio daquela confusão, fazia calmamente a sua própria pedicure. Com toda a tranquilidade e descontração, pintava as unhas dos pés e a facilidade com que o fazia deixava-me completamente perplexa. Ignorava tudo e todos à sua volta. Era indiana, sem dúvida, mas os garotos tinham mistura de raça e tinha um ar desmazelado. Entretanto, nós íamos falando uns com os outros, brincando, comentando e como ninguém falasse com ela, ela mesma decidiu apresentar-se, dizendo que vivia na Califórnia. Estava explicado. Realmente os filhos, que rondavam os seis e oito anos, tinham um ar americanizado.

Mais adiante, a uma distância de menos de meia dúzia de metros, estava outra jovem, talvez indiana, pelas características físicas, embora completamente ocidentalizada. Bonita e bem arranjada, falava no telemóvel com muita ênfase e como se alguém do outro lado estivesse a cortejá-la. Ria e os olhos brilhavam. Pouco a pouco, eu era atraída pelo seu magnetismo e não resistia a observar o fim daquele telefonema, que nunca mais acabava.

Levantei-me para descobrir mais coisas, ao mesmo tempo que punha as pernas a andar, a contrapor a inércia do voo que se seguia. Dei uma volta e retornei ao mesmo sítio, sentando-me umas cadeiras mais à direita. A rapariga continuava a falar, sem o menor sinal de fim de papo. Parecia que estava sempre no início.

De repente, vejo aproximar-se um rapaz bonito, muito bonito e com muito bom ar, olhando em volta os lugares vazios. E eis que se senta do meu lado direito, com duas cadeiras de intervalo. Um jovem indiano perfeitamente ocidentalizado. Usava óculos, o que lhe dava um ar todo intelectual. Sentou-se e enfiou a cabeça num dos livros que trazia debaixo do braço, isolando-se completamente. O que faria ele ali, para onde iria?! Faria viagem connosco? Como seria a vida dele? Queria mesmo saber coisas acerca dele.

Virei-me lentamente, cruzando os braços e apoiando-me nos braços das cadeiras da direita, ao mesmo tempo que me inclinei bem na direcção dele. Sentindo a minha aproximação, o jovem desviou a atenção do livro e encarou-me. Olhei bem para ele e com todo o vagar do mundo, perguntei-lhe se era de facto indiano, como parecia. Esboçou um sorriso, respondendo que sim e preparava-se para retomar a sua leitura quando me antecipei, fazendo-lhe outra pergunta: para onde viajava. Respondeu-me que ia para Itália. Itália! Fiquei visivelmente surpreendida. Perguntei-lhe então o que o levaria até Itália, tendo respondido que era casado com uma rapariga italiana. Mais surpreendida fiquei e na minha fantasia, começava a desenhar o filme da vida e do destino dele.

Tinha um ar sério e compenetrado e eu ali a perturbá-lo e a tirar-lhe o sossego! Certamente que, em pleno aeroporto de Bombaim, o nosso jovem não estaria à espera de encontrar uma chata a fazer-lhe todas aquelas perguntas tolas. Por isso, achei que o mais sensato era deixá-lo em paz com a sua leitura. Pedi-lhe desculpa por estar a interrompê-lo e preparava-me para voltar à posição inicial, quando ele me surpreendeu com uma atitude inesperada. Fechando o livro, virou-se para mim, dizendo que não estava a incomodá-lo e começou ele a fazer-me perguntas. Foi simpático, pensei. Também quis saber para onde eu ia, por onde tinha andado e assim encetámos um diálogo muito agradável, que nos ajudou a passar um pouco o tempo.

Fiquei a saber que o nosso jovem era professor e tinha ido à Índia visitar a família. Falei-lhe de mim, da razão da minha viagem, do grupo, de coisas várias, enfim e não me pareceu que estivesse a fazer um frete. Muito polido e com muito bons modos, estava a ser muito generoso. E é então que o nosso jovem de vinte e cinco anos, cujo nome nem fiquei a saber porque não calhou e porque não era relevante, depois de ouvir atentamente o relato das minhas andanças, das terras onde tinha estado, das coisas que tinha visto, de tudo a que tinha assistido... depois de lhe ter falado da delícia dos jardins verdes e floridos da Índia, de toda a beleza dos templos, etc... fascinado com a minha descrição, digamos mesmo que, viajando na minha viagem e honrado por ser a sua terra que, por acaso também era a minha, me fez uma pergunta perfeita, como que rematando e colmatando a nossa troca de energia. A pergunta que ele me fazia era simplesmente esta: do que é que eu tinha gostado, mais do que tudo, na Índia.

Aquela pergunta era um completo desafio à minha sensibilidade e mais, à minha criatividade. Em quinze dias de informação absorvida pela minha mente, pelo meu espírito e pela minha alma, varrendo a Índia de Norte a Sul, que resposta lhe poderia eu dar, que satisfizesse a pergunta dele sem me perder, sem me trair e portanto, sem lhe mentir!? Não foi preciso pensar ou refazer tudo, para poder formular uma resposta. Ela era tão óbvia, que eu olhava nos olhos dele, um olhar de felino manso, aguardando com enorme expectativa, como quem aguarda uma surpresa, um brinquedo... melhor do que isso: um segredo. Ele queria mesmo aquela resposta. E eu não queria nada desiludi-lo, mas se ele queria realmente saber, teria que estar preparado para o que eu tinha para lhe dizer. E olhando para aquela criança de vinte e cinco anos, que parecia feliz, realizado, à conquista do mundo, da vida, o meu "suspense" quebrou-se e respondi-lhe simplesmente, que o melhor, o melhor de tudo na Índia, o que mais amei e me encantou e mais marcas tinha deixado no meu coração, eram as crianças, as crianças indianas, de todas as idades, etnologias e credos, as crianças, mais do que tudo, as crianças, que adorei.

Quando acabei, senti que os meus olhos estavam marejados, mas os dele também. Ele olhava para mim, não sem surpresa, sem saber o que dizer. Estupefacto, ele esperava tudo, menos aquilo. E no meio do seu silêncio, continuava a ouvir a minha voz, dizendo que aquelas crianças eram muito especiais. Com fome, sede e privações de toda a ordem, elas tinham sempre um sorriso delicioso, que me encantava e me reconfortava. Elas pareciam sempre agradecidas não sei a quê e o que elas me tinham dado era absolutamente inexplicável e inesgotável. Quando estava mais deprimida, mais em baixo, mais cansada, havia sempre uma criança que, sem fazer nada, sem sequer ter consciência disso, me tirava daquela cena e me retornava ondas de energia revitalizantes. Era só prestar atenção ao seu olhar forte e doce, à sua expressão inocente e tudo o mais deixava de ter importância. Era magia.

E o nosso jovem indiano de vinte e cinco anos, a caminho de Itália, ao encontro do amor, à conquista do mundo, em busca da felicidade, olhava-me fascinado, deliciado com a minha resposta. Estava encantado, extasiado, orgulhoso até, mas acima de tudo, antevia-lhe um agradecimento enorme, pelo sentimento de ternura que acabava de passar para ele. Uma imensa gratidão sem tamanho, sem descrição, onde o seu ser se desfazia, estava expressa no seu íntimo e a minha resposta era uma homenagem àquilo que na vida de todos nós, no mundo inteiro, é verdadeiramente importante e deveria ser a nossa prioridade máxima - as crianças.