A caminho do hotel


Eu não queria perder nada desta viagem que, para mim, tinha várias vertentes sendo que, uma delas, era um certo espírito peregrino. Então, mal entrámos no autocarro, procurei lugar para mim e para a Mina, no banco da frente, para ficar com a panorâmica toda da estrada e do caminho até ao hotel. Era noite cerrada e estávamos exaustos, mas eu preferia não dormir e fazia mais um esforço para ver, ver... ver tudo o que houvesse para ver. Era para isso que estava ali.

O autocarro começou a andar estrada fora, mas só havia estrada, palmeiras e corpos imóveis estendidos por ali adiante. Um homem dormia num carrinho de transportar areia das obras, outros dormiam em cima da terra e a bem dizer, ninguém podia afirmar que dormiam. Podiam estar mortos! Haveria alguma diferença?!

E o autocarro rodava, rodava, indiferente ao que aparecia: palmeiras e mais palmeiras; muita vegetação nas laterais que, no escuro, não se percebia o que era. A luz também não era famosa. Era pobre. Uma panorâmica bem diferente daquela que eu gostaria de ver e os outros também, com certeza. Mas era o que era e era a minha Índia.

Em todo o caso, depois de tantas horas de viagem sem uma refeição de jeito, o facto é que estava esgotada e aquela paisagem não ajudava em nada. Para não me dececionar, pensava que tudo havia de melhorar, até porque era apenas o início da viagem. Era preciso ter paciência.

Fechei um pouco os olhos para descansar, mas também não resultava. Estava demasiado agitada. Então, lembrei-me de um truque que costumo fazer quando tenho pesadelos: acordar para sair do pesadelo. Era isso mesmo. Cogitei comigo mesma que talvez eu estivesse a sonhar e aquilo fosse um sonho mau, para não falar em pesadelo, mas olhei à minha volta e continuavam todos lá. Não tinha como. Não era um sonho e eu não estava a dormir. 

Então, lembrei-me de outra coisa. Olhando de frente, via todas aquelas imagens desfilarem dentro do vidro da frente do autocarro. Parecia um plasma. Imaginei que estava em casa, na minha sala, a ver TV e que aquelas imagens eram um filme do qual eu não estava a gostar. Apenas isso. Era tão simples! O que é que eu faria? Apenas desligaria a TV e ia dormir, porque era noite. Ok - pensei -, é isso, estou a ver um filme de que não gosto. Vou desligar e deitar-me na minha rica cama, tão gostosa. Não! Também não resultava. Era mesmo verdade.

Aquilo estava tudo ali e doesse o que doesse, era para ser visto. Pelo menos eu iria dormir numa cama de um quarto de hotel. Ia ter chão, tetos e paredes. Enfim, tudo o que qualquer ser humano com o mínimo de dignidade deveria ter por direito. Eu ia em viagem, com todas as providências tomadas e tudo acautelado aos mínimos detalhes. Era uma "aventura" com eventuais riscos acautelados. Aquela gente não. Eles estavam ali e não iam a lado nenhum. Eles eram dali. Eu, como visitante, ia ter tudo. Eles, como residentes, não tinham nada, nem a sombra de uma palmeira, se fosse o caso.

O dia estava a acabar. Era só chegar ao hotel e dormir. O dia seguinte seria um novo dia. As coisas haveriam de mudar.